sábado, 29 de maio de 2010

Ceará - Conflitos na pesca da lagosta



Abaixo interessante opinião sobre a situação da pesca de lagosta no litoral cearense:

Conflito no Mar do Leste
(Editorial - Diário do Nordeste - 27/05)
A redução, em 15 dias, no período de defeso da lagosta serviu apenas para aprofundar os conflitos em torno da captura desse crustáceo no Litoral Leste do Ceará. A guerra declarada já tem algum tempo, mas adquiriu conotação diferente dos episódios anteriores. Diante da ausência do poder de polícia, exercido pelo Governo, os pescadores artesanais estão apreendendo embarcações irregulares, pescadores recalcitrantes e expondo as provas dos crimes ambientais.

A lagosta, no Ceará, em quatro décadas, registrou um ciclo econômico marcado, no início, por investimentos maciços na implantação de empresas industriais voltadas para a sua exportação, alimentadas por embarcações pesqueiras de grande porte, convivendo, de forma harmônica, com a pesca artesanal. Essa atividade lucrativa chegou até a provocar embaraços diplomáticos entre o Brasil e a França, por conta da pirataria de barcos franceses capturando a lagosta no nosso litoral.

Superado o incidente diplomático, o segmento pesqueiro passou a enfrentar outro grave problema: o esforço excessivo da pesca, ameaçando a espécie com a captura praticada no período de sua reprodução e desenvolvimento. Inúmeros foram os estudos promovidos pelo Laboratório de Ciências do Mar comprovando, cientificamente, essa tendência predatória e os riscos para uma atividade industrial até então próspera, liderando a pauta de exportações do Estado.

Conferências, seminários e mesas-redondas tiveram curso, ao longo de mais de uma década, durante o qual os especialistas em pesca, piscicultura, industrialização e exportação se revezaram na tentativa de atenuar a exploração dos recursos marítimos com a intensificação observada, sob pena de um desastre ecológico sem precedentes. O previsível aconteceu exatamente como o cenário delineado.

A lagosta capturada ainda em fase de desenvolvimento, o uso de redes de arrasto, de compressores de ar e marabaias, responsáveis pela destruição dos bancos naturais onde as lagostas se reproduzem, contribuíram de forma acentuada para a redução no contingente de animais, inviabilizando a pesca e a exportação, prejudicando a economia industrial e a receita cambial gerada no Estado.

A pesca predatória não procede nem da indústria, nem da atividade artesanal. Ela é fruto de um terceiro componente surgido no universo da pesca quando a atividade revelava lucratividade compensadora. Grupos de pescadores aventureiros, dotados de barcos de médio e pequeno portes, têm desrespeitado a legislação da pesca, os períodos de defeso e os métodos recomendados para a captura.

Toda essa gama de problemas tem aflorado no litoral leste, onde a conscientização dos pescadores artesanais mais se desenvolveu, a ponto da comunidade adquirir um barco para conter a pesca ilegal. O Ibama tem atuado na região. Mereceria, contudo, estabelecer uma base permanente para evitar o derramamento de sangue. O Ministério Público e os órgãos de repressão policial poderiam também intervir nessa luta em nome do interesse público e pela preservação ambiental, mesmo agora quando o ciclo da lagosta chega ao fim.

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Pescadores encontram no mar de Icapuí um campo aberto e minado para uma batalha sangrenta
por Melquíades Júnior
Icapuí. Perseguições, choques entre barcos, troca de insultos e de tiros e as "cabeças a prêmio" sendo rebocadas em direção a uma praia que, sedenta de "justiça", é capaz "de tudo, até matar". Na "revanche", 14 embarcações em posição de ataque ameaçando pisar em terra para recuperar o ouro perdido. A guerra é real e recomeçou nos mar cearense, que pouco está para pescador. Um dia de trabalho, saindo pela madrugada e voltando ao entardecer, não oferece muita coisa a mais que o próprio custo de uma viagem para pescar. Pagando-se as iscas e as bolachas para enganar o estômago que ronca enquanto todo o corpo balança em cima do mar profundo, o que seu Eduardo Batista de Sousa conseguiu de pesca da lagosta, no último sábado em Icapuí, só deu para comprar o almoço do domingo. Sete horas no mar e só dois quilos de lagostas presas no manzuá de pescadores artesanais que sofrem com a escassez da lagosta e o aumento da pesca predatória, ilegal e insustentável. Além do horizonte, ´pais-de-família´ fazem das camisas capuz e, com armas de fogo, tentam coibir os grupos de pescadores predadores, que mergulham utilizando equipamentos proibidos e, num só dia, capturam as lagostas que seu Batista só conseguiria em um mês.

Voltar do mar com dois quilos de lagosta penduradas no manzuá, uma espécie de gaiola usada pelos pescadores artesanais, não é lá muito animador para quem mantém a família somente com o que o mar oferece. Custa pouco mais de R$ 20,00 uma ida para o mar. Pelo menos R$ 20,00 para comprar de isca e R$ 8,00 "da cabaça", uma sacola de bolacha, rapadura, farinha e água para se alimentar os dois ou três pescadores da embarcação. Isso sem contar os custos anuais de pintura e manutenção dos equipamentos da embarcação. No tempo das "vacas gordas", os manzuás vinham com lagostas que, em cifras, superavam os R$ 400,00. Dois quilos de lagosta valem somente R$ 28,00. No fim de um dia "magro", o lucro que há é a esperança de que os dias melhores comecem logo amanhã, "como sem falta".

Encerrado o período do defeso da lagosta, semana passada, milhares de pescadores dos litorais cearenses ganharam o mar. Com a antecipação, em 15 dias, da liberação para pesca, nem todos estavam preparados. Foi uma correria para organizar os barcos, garantir os equipamentos. Na Praia de Redonda, em Icapuí, os pescadores artesanais sabem que no mar podem encontrar lagosta e, também, os pescadores predadores, que utilizam marabaias, mangotes e compressores de ar para a pesca mergulhada, todos métodos proibidos por lei. Nos primeiros dias pós-defeso, a notícia em terra havia sido a captura de um barco que fazia a pesca com compressor. Na tentativa de virar o menor, um barco chocou-se ao outro. Armas em punho, tiros disparados e pescadores rendidos.

Era meia noite de quarta-feira passada quando os "redondeiros" desembarcavam rebocando um barco dos "predadores". Na praia, mais de mil pessoas, entre famílias inteiras de pescadores, aguardavam a "presa", que foi logo encalhada em cima de um morro de areia, juntando-se a outros nove barcos apreendidos fazendo a pesca irregular. Por precaução, os pescadores rendidos foram deixados num ponto da praia distante da comunidade, "porque se viessem junto com os barcos quando chegasse aqui era capaz de a comunidade linchar e matar", afirmou Gilcidene Raimundo, do Sindicato dos Pescadores, Marisqueiros, Trabalhadores e Trabalhadoras da Pesca Artesanal de Icapuí (Sindipame), órgão oficializado no último domingo, para convergir as reivindicações do segmento e criar projetos para a pesca sustentável.

"Nós sabemos que quem tem a função de fiscalizar é o Ibama. O que a gente faz é a vigília, mas sabemos que se for depender só deles, nunca vão acabar com esse problema aqui", alega Gilcidene. Enquanto os "redondeiros" são amados ou odiados no curso do litoral cearense, segmentos de artesãos e "alternativos" seguem ao mar para sustentar suas famílias. Quem mais sai lucrando com a precária fiscalização são os compradores da lagosta, indiretamente alheios à competição no mar envolvendo certos e errados.


Vigília

"Se a gente for depender só do Ibama para o trabalho, a pesca ilegal não vai ter fim no mar de Icapuí"
Gilcidene Raimundo
Presidente do Sindicato dos Pescadores, Marisqueiros e Trabalhadores da Pesca Artesanal de Icapuí


Foto: Melquiade Junior



FISCALIZAÇÃO

Pescadores fazem apreensões

Icapuí. Dois barcos, dois compressores, dez mil metros de rede caçoeira, 3.500kg de lagosta e, com isso, o aviso de que o Ibama está fiscalizando o mar cearense desde o período do defeso. Enquanto isso, três barcos, um compressor e algumas dezenas de metros de rede caçoeira e quilos de lagosta foram apreendidos pelos próprios pescadores artesanais que fazem a fiscalização paralela no mar de Icapuí até as águas do litoral de Aracati.

Na Praia de Redonda, em Icapuí, Litoral Leste do Estado do Ceará, um galpão serve para guardar os equipamentos apreendidos, um morro recebe os barcos capturados e o quiosque apelidado de "boca do povo", onde toda a comunidade se reúne para jogar baralho e conversar, é uma discreta e silenciosa guarita de segurança.

Resgate

Na última quinta-feira, no horizonte da Praia de Redonda avistavam-se nada menos que 14 embarcações em alinhamento, vindo em direção à terra para resgatar "Rafaella", "Celebridade" e "Ceilândia", os três barcos que foram apreendidos pelos "redondeiros" em dois dias de perseguição aos grupos de pescadores que, além de usarem equipamentos irregulares, teriam invadido a área considerada "exclusiva" dos artesãos.

Apreensões e apropriações marítimas na contramão da lei, porém com a justificativa de que é para compensar a precária fiscalização do Ibama, que está durante todos os dias desta semana nessa área de conflito mas, de acordo com um próprio fiscal do órgão, "é sair para a guerra recomeçar".

Para a pesca de 2010, alguns pescadores que utilizam compressores e marabaia adquiriram veículos mais modernos. E para disputar em pé de igualdade com os barcos motorizados e velozes desses pescadores "alternativos", milhares de pescadores artesanais de colônias dos Municípios de Aracati e Icapuí uniram-se para, em contribuições individuais de R$ 100, comprar uma lancha no valor de R$ 65 mil para alcançar os irregulares que empreenderem fuga. Foi assim que os pescadores artesanais alcançaram os três barcos que apreenderam na semana passada.

Fonte: Diário do Nordeste



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